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Café Analítico

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Faxina na alma

Quando penso em limpar algo da mente, sempre vem a imagem do quarto escuro. Quando estamos com o quarto na penumbra, com as cortinas fechadas, há a impressão de que tudo está limpo, tranquilo, no lugar. E assim pode ficar por dias, meses, anos, sem que nada seja mudado. Acostumamos com o escuro. Até que um dia, entristecidos pela falta de luz, resolvemos arejar tudo e, num impulso positivo, abrimos as janelas, as cortinas e deixamos a claridade entrar e o vento invadir o ambiente. Neste momento, quando a luz entra no quarto escuro, vemos a poeira, as penugens acumuladas pelos cantos e embaixo dos móveis. Somente quando colocamos luz no quarto é que ele, realmente, pode ser limpo.

E é exatamente isso o que acontece com a nossa mente. Com o passar do tempo vamos acumulando tudo o que não queremos ver e resolver – pensamentos, tristezas, problemas não resolvidos, angústias, dores emocionais e tudo o que não queremos ver – dentro da nossa mente, num lugar escondido, onde fica tudo guardado, fechado, no escuro. Porém, todos esses sentimentos e pensamentos guardados vão sujando nossa mente, deixando o andar pesado, o ar sufocado. Sem saída, sem luz, sem ar, nesse ambiente solitário, a vida vai perdendo o sentido e o peso triste destas memórias acaba por moldar quem as sente. Até que um dia – e é muito importante e positivo que este dia chegue – o local fica tão impregnado de poeira e escuridão, que fica impossível respirar ali. Nesse momento, a capacidade de filtrar essas emoções guardadas já não é possível e a angústia aumenta. Sem ter mais espaço e para onde ir, essas emoções nocivas, guardadas a sete chaves, começam a se manifestar no corpo físico, o que os psicólogos chamam de somatização. O corpo, cheio de sentimentos nocivos, adoece.  – É preciso luz – diz o mestre. E chega a hora da faxina.

Carl Gustav Jung afirmava que a mente, quando não consegue solucionar um problema, volta sempre a ele, como um disco quebrado. E que, quando ficamos andando pela casa em círculos preocupados com uma situação, estamos apenas repetindo fisicamente o que acontece em nossa psique. Então, o que resta é abrir a janela, as cortinas da mente e deixar a luz entrar. Ver toda a sujeira guardada, não ter medo de encarar o que tem ali e limpar tudo. Tudo o que suja, o que estraga, o que causa mau cheiro. Deixar a luz tomar conta de tudo, só assim podemos ver cada penugem, cada fio de cabelo. Encarar cada emoção negativa, cada culpa, cada temor. Só olhando para nossos medos de frente é que podemos vencê-los.
No processo alquímico, Jung considerava uma grande metáfora dos processos psíquicos internos, a primeira fase de transformação trata de entrar em contato com que é pesado, sombrio, sujo. É uma verdadeira descida aos infernos, e ela está associada ao que é angustiante e difícil. A segunda fase é a época da lavagem desses ambientes escuros. Nesta fase, os alquimistas se referiam a si mesmos como “lavadeiras”. Para os analistas junguianos, esse é um período mais leve e prazeroso, em que o analisado é capaz de perdoar, dissolver mágoas, cicatrizar feridas.

As tradições espirituais também falam de processo de purificação. Budistas e hinduístas apostam na meditação e em práticas que limpem os quatro corpos (físico, emocional, mental e espiritual). Mas, independentemente do credo, é preciso deixar a luz entrar e limpar o quarto escuro. Deixar tudo limpo e organizado para que o novo possa entrar e a vida fluir com leveza e saúde.

Café Analítico

Por: Camyle Hart

Jornalista e Psicóloga (Crp 08/22594)
Atendimento terapêutico (45) 99932-0666

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