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Café Analítico

Diante do espelho

Hoje, com a supervalorização das redes sociais e a imagem que ali refletimos, Narcisos emergem de todos os cantos, de todos os lagos. Cada qual petrificado no próprio reflexo. São dezenas de milhares de perfis e um único foco: a própria imagem.

Narciso era um jovem lindo. Certa vez, aproximou-se do rio, viu o próprio reflexo na água e apaixonou-se por si mesmo. Num delírio de que a imagem era outra pessoa e que era possível agarrá-la, Narciso caiu na água e morreu afogado. 

Mas o que este mito grego tem a ver com os dias atuais?

A busca pela perfeição inalcançável, pelo melhor ângulo, pela melhor foto tem tirado muitos de nós da realidade. Filtros e retoques em excesso vem, de certa maneira, despersonificando-nos, tornando-nos andrógenos e cada vez mais obcecados por um ideal de beleza que está no sentido oposto do real, do vivo, do humano.

Passamos a não enxergar o outro, pois o olhar está treinado à comparação, ao que no sujeito possa ter que me acrescente ou me desvalorize enquanto objeto, enquanto vaidade. É como a criança pouco amada que busca, através da exposição em excesso e da exibição, o olhar desta mãe que um dia a negligenciou.

O desejo de ser visto, de ser notado, de sentir-se especial e de ter a aprovação dos outros é o que move o comportamento patológico narcisista. E nisso, as redes sociais surgem como um grande facilitador e realizador destes anseios.

A cultura que vivemos na atualidade alimenta esta ilusão de que a vida acontece no virtual e de que a imagem distorcida que fazemos de nós mesmos pode ser alcançada, quando na verdade, tudo não passa de um grande circo armado, onde os rostos deram lugar às máscaras. É a perda da essência numa sociedade que estimula a busca patológica por uma perfeição ilusória e efêmera, onde hora é tido belo colocar peitos grandes e lábios carnudos, para logo depois incentivar a retirada de próteses em nova moda de peitos pequenos e lábios finos, por exemplo.

E nesse vai e vem da cultura de consumo e fantasia, os narcisos se perdem de si mesmos numa ânsia desesperada em alcançar a imagem refletida no fundo do lago, num mergulho trágico e sem volta ao vazio da alma.

Café Analítico

Por: Camyle Hart

Jornalista e Psicóloga (Crp 08/22594)
Atendimento terapêutico (45) 99932-0666

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